sexta-feira, 21 de setembro de 2007

VIDAS DIFICEIS


É uma coisa estranhíssima esta de gostar de ser chato, de fazer gala em andar tristonho ou mal-disposto, de dizer mal de tudo e culpar o mundo pela nossa tristeza. O tuga é um ser depressivo por natureza, prefere suspirar a respirar, andar de orelha murcha a levantar a cabeça, arrastar os pés a caminhar num compasso seguro.Por que é que nunca estamos contentes com o que temos? Depois de um Verão que parecia norueguês, eis que o Outono chegou poético, dourado pelos tapetes das folhas de plátanos em fins de semana cheios de sol e de luz que dão para grandes passeatas na praia e no campo, atrasam o inauguração das lareiras e nos fazem poupar uma massas nas contas de electricidade. Mas neste país de chatos e de queixosos, toda a gente reclama a chegada do Inverno. Eu também adoro estar fechada em casa a ouvir a música da chuva, mas bolas, por que é que não levantamos os braços e agradecemos a Deus ou a qualquer outra entidade divina que seja do nosso clube, este Inverno abençoado e luminoso? Porque nós, tugas da Silva, além de sermos uns grandessíssimos chatos, gostamos de ser chatos. É uma coisa estranhíssima esta de gostar de ser chato, de fazer gala em andar tristonho ou mal-disposto, de dizer mal de tudo e culpar o mundo pela nossa tristeza. O tuga é um ser depressivo por natureza, prefere suspirar a respirar, andar de orelha murcha a levantar a cabeça, arrastar os pés a caminhar num compasso seguro. Mas está no sangue do tuga, ou no ADN, ou onde vocês quiserem, faz parte da nossa cultura. Por isso é que eu gosto dos ribatejanos. Nisso, são os menos tugas de todos. O beirão é fechado, o portuense é rabugento, o alentejano é passivo e o algarvio é malandro. Mas o ribatejano é uma coisa que nenhum desse é, e que só o minhoto lhe chega aos calcanhares; o ribatejano é alegre. Canta o fado com alegria, dança o corridinho com energia, briga com o vizinho com mestria, toureia com galanteria, seduz com arte, embebeda-se com paixão e ama a Lezíria do fundo do coração. Conversa fiada, parece-vos, mas eu sei muito bem do que estou a falar e é por isso que, quando a cidade me enjoa, me meto no meu lindo Peugeot 307 azul-escuro e lá vou para o Ribatejo, olhar o rio e namorar as suas margens, subir à portas do sol e beber a vista a perder de vista, respirar a largueza e falar com eles. E sinto-me em casa, à mesa de uma tasca a beber tinto ou em casa de amigos, à lareira, a contar anedotas e peripécias. Cá fora, o frio corta a cara, o vento fala com as árvores, pássaros e coelhos malucos correm pela quinta, os cães ladram e como estamos no campo não passa nenhuma caravana nem se passa nada, que é a melhor forma de passar o tempo. As crianças pulam como cabritos, ao fundo passa um rebanho de ovelhas com o pastor e os seus cães, o riacho conversa comigo e eu conto-lhe segredos e o fim-de-semana é um paraíso de pão saloio, febras, castanhas assadas e bacalhauzadas no forno. Regresso domingo à noite com o sonho de um dia me instalar no campo, olhar pela janela e ver o verde a perder de vista, ouvir mochos e outros passarucos a embalarem-me o sono, imaginar as flores a crescer e as maçãs a cair das árvores e acordar com gotas de orvalho na cara, deixadas ao acaso por uma qualquer fada afoita e cumpridora. Enquanto houver sol e luz, não se queixem, meus tugas da Silva, metam-se no carro e vão para a praia falar com o mar ou para o campo, ver tios, primos e avós que nunca visitamos. Aproveitem este país delicioso e tranquilo, onde num raio de poucos quilómetros há praia, campo e montanha, praças seculares, igrejas espantosas e grutas de cortar a respiração, ruínas de cidades romanas, serras poéticas e planícies verdes e perfeitas. E não se queixem das vidas difíceis, que por aqui há muito sol e muito sossego, não estamos em guerra nem dominados por nenhuma corja taliban; isto é um paraíso, é preciso respirá-lo, aproveitá-lo explorá-lo e saboreá-lo até ao fim das nossas vidas.
Margarida Rebelo Pinto

2 comentários:

Unknown disse...

Sempre ouvi dizer que só temos uma vida, e que ela não volta para trás... há que aproveitar

;)

Rafeiro Perfumado disse...

O futuro é hoje...não seria mais simples, se todos pensassem assim?